quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Cabelos Pretos e Olhos Azuis

“Mas o amor não existe para fazer a gente feliz?” (Charlie Brown).


Quando eu era criança tinha uma predileção por gurias com os cabelos pretos e de olhos azuis...elas costumavam ser muito bonitas e raras dentre as meninas da escola. O que eu não imaginava é que quando eu
estava no Ensino Médio esse perfil de menina voltasse a me deixar como que sob o efeito do LSD, época em 
que uma garota que veio transferida de outra turma me chamou a atenção: ela era bonita, inteligente, interessante, falava com um ar de adulta, tinha idéias próprias, os seus cabelos eram pretos e os seus olhos azuis.
Não precisei de muito tempo para me apaixonar por ela e para me aproximar cada vez mais daquela colega 
que vestia saia, botas, gravata e que teve a ousadia de tingir os cabelos de vermelho...destacava-se entre as outras. Ouvia rock, sonhava em montar uma banda, bebia caipirinhas antes mesmo de eu sonhar em ter o 
meu primeiro porre; também queria ela ter um fusca cor-de-rosa, ambicionava ser Publicitária ou Psiquiatra, tinha um humor inconstante, carregava consigo um livro cujo título era "A Depressão do Adolescente".
Diante dessa menina dos sonhos, eu pensava que deveria dar o melhor que eu podia para que ela se apaixonasse por mim; no entanto, pensava eu também que mesmo o melhor de mim ainda não fosse o suficiente para que isso acontecesse.
Então como sofri com esse amor platônico todas as vezes em que quase disse que eu queria ficar com ela, quantos foram os momentos em que eu me peguei imaginando o que deveria ser dito e as reações que ela teria ao ouvir as minhas palavras;
Mas talvez o que mais me encomodava era ao observar os casais ver o quanto era tão mais fácil para os outros caras terem atitude...
Acabei decidindo que deveria conversar muito com ela e que eu deveria impressioná-la cada vez mais. Eu deveria ser divertido, inteligente, agradável...deveria elogiá-la e ter diálogos da forma mais cinematográfica possível. 
O que eu ainda não havia aprendido era que o importante não é o que se diz a uma mulher, mas como se diz; jamais vou me esquecer de um dia em que ela estava linda de saia e que enquanto eu tentava ao máximo fazê-la gostar de mim (se eu fosse um pássaro, certamente estaria cantando e estufando o peito na frente dela) um dos meus melhores amigos somente olhou para ela e disse:
"Fulana, tu tá muito bonita com essa saia"...nesse dia ela mostrou um dos muitos sorrisos que tinha...nesse dia a menina por quem eu estava apaixonado também se apaixonou...foi ainda nesse dia que eu perdi de ter a minha primeira namorada.
Depois disso, pensei eu que tinha muita coisa para fazer, lembrei eu de que deveria estudar para passar no
vestibular, descobri então que deveria me preocupar com outras coisas e que como diria o Charlie Brown: 
"Esse é o segredo da vida. . .Substituir uma preocupação por outra”.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Presente de Chinês



Lucy: Schroeder… por que você nunca me mandou flores?                                                                                     Schroeder: Porque eu não gosto de você!





Tenho um tio que já realizou um dos sonhos da minha vida que é o de viajar pelo mundo...houve um período em que ele conheceu a china; após a sua jornada, visitou a minha casa e trouxe-nos o seu álbum com as fotos da aventura: templos budistas, estátuas de ouro, prédios de bambu e a única obra humana que pode ser vista mesmo estando-se fora do planeta terra, as Muralhas da China, fascinavam a mim e a todos da minha família.
Enquanto os meus olhos atentos fitavam aqueles lugares exóticos, bonitos e interessantes se passava em mim uma grande vontade de um dia estar lá; durante esse momento meu tio resolveu distribuir presentes para todos: para uma irmã deu a Deusa do Amor chinesa, para outra irmã uma representação do Buda...minha mãe foi presenteada com um enfeite para a casa com arte chinesa...e assim os presentes foram sendo distribuídos chegando ao meu cunhado...e finalmente chegou a minha vez, que me encontrava ansioso pelo presente chinês que foi...nenhum; meu tio havia esquecido de mim em sua viagem, lembrado de todos com exceção de mim.
Então criou-se aquela atmosfera estranha que me circundou, provocando em mim a vontade de cavar um buraco e me enfiar dentro, para quem sabe, ir parar na China, bem longe do meu tio e da sensação de esquecido que senti; foi nessa hora que meu tio teve a brilhante idéia de pegar o pente usado que ganhou do hotel onde ficou hospedado e me presentear com o mesmo...ouviu então de mim um tímido: obrigado.
A esposa desse mesmo tio, quando próximo de minha formatura, me viu dizer que a camiseta do time do Grêmio era muito bonita, me disse: que achas de ganhar uma? Eu falei: sempre quis ter uma, fico muito feliz.
Aí ela acrescentou: fulano, vamos passar no camelô hoje para comprar...ah, eu fiquei numa raiva e respondi: não se preocupem, eu mesmo compro uma original.
Meses após a formatura minha tia veio com a história de que queria (finalmente) me dar o presente de formatura...entrou no meu quarto com um belo embrulho e me entregou desejando-me os parabéns. Abri o pacote animado e encontrei: um bibelô em forma de coruja de jaleco, ou seja, uma coisa bizarra...e o pior, ela era muito mal feita...ela nem tinha uma pata. Então eu quase disse: "eu estava mesmo precisando de uma coruja de jaleco sem uma pata para a minha coleção"...mas contentei-me em lançar um falso agradecimento.
Recentemente uma das minhas irmãs recebeu como promessa desses dois tios um cavalo de presente...só quero ver o que virá por aí...porque se para os mesmos "coruja dada não se olha as patas", um Cavalo de Tróia pode ser um inofensivo Presente de Grego diante do poder destrutivo de auto-estima alheia do "Presente de Chinês" que costumam me dar.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Destino Vespertino




Não sei dizer desde quando tenho o costume de trocar o dia pela noite, mas posso explicar o meu hábito vespertino: além de a noite ser bem mais interessante que o dia, funciono melhor no período noturno...e me sinto pior, quanto mais cedo for; tenho a impressão de que as minhas sinapses cerebrais se iniciam somente após às 10h da manhã e que antes disso um "piloto automático" determina as minhas ações de modo a apenas preservar a minha vida enquanto esse horário não chega para que então o meu dia realmente comece.
Essa curiosa observação me fez lembrar de uma história que meu pai conta, a qual pode conter a chave com a origem do meu hábito noturno; ele conta que quando eu tinha cerca de dois anos ingeri acidentalmente um remédio que a minha mãe estava usando na época...tratava-se de um sedativo. Minha mãe preocupada telefonou para o Pediatra e questionou sobre o que poderia me ocorrer devido à medicação e teve como resposta: "não se preocupe, ele apenas dormirá muito". No entanto, a vida e as caixas de remédios são como caixinhas de surpresas e eis que tive uma reação inusitada: comecei a apresentar alucinações, a ficar com medo, a gritar, reagia à presença de meus familiares como se não os reconhecesse, falava palavrões, falava "olha o jacaré" com o desespero de quem realmente fitava os olhos do réptil em um perigoso pântano. Minha mãe relata que apenas a voz dela me trazia alguma calma...entretanto, a madrugada foi à dentro e eu permanecia atento, acordado e em clima de Ligth my Fire. Isso, até que todos se cansaram e meu pai disse algo do gênero: "chega, vamos deixar ele aí e vamos dormir"...o que ele não esperava era que eu dissesse a assustadora frase para alguém tão pequeno ainda no seu berço: "ninguém vai mimir nessa casa"!
Não sei se desde tão cedo vejo a noite como um período tão mais agradável que o dia, não recordo se desde essa época o pôr do sol me faz entrar em uma atmosfera de blues e rock and roll, não posso dizer se daí surgiu um fascínio que tenho em olhar para a lua e admirar as estrelas; somente tenho a certeza de que quando vivo e vejo tudo isso, a minha vontade ainda é a de que ninguém durma...e de que todos acordem para a vida esta noite...uma boa noite!

domingo, 21 de novembro de 2010

Quinze Minutos

"O objetivo da escola é estudar, estudar e estudar; para ir para o segundo grau e estudar, estudar e estudar; para ir para a faculdade e estudar, estudar e estudar; para conseguir um bom emprego, constituir família e ter filhos. Filhos que vão para a escola, para estudar, estudar e estudar…” (Linus van Pelt)


É incrível como algumas atividades pateticamente simples para todas as pessoas adquirem um inesperado grau de complexidade de execução quando o executor (ou um dos executores) é ninguém menos do que eu. Uma prova disso foi quando no terceiro semestre da faculdade fui fazer um seminário com mais dois colegas. Tema escolhido, tínhamos que pesquisar na internet, fazer uma revisão, extrair o melhor que encontrássemos para decorar e apresentar...ou seja, tudo muito tranquilo (aparentemente).
Dei a idéia de que fôssemos fazer uma pesquisa no cyber de um amigo que havia sido meu colega de ensino médio, porque ele costumava me dar descontos, o que é muito importante quando se é universitário (e pobre).
Chegando no cyber, lugar lotado, encontramos por sorte um computador vago...iniciada a pesquisa, leitura feita, selecionado um banco de informações, restava-nos enviá-lo para os nossos e-mails após pouco mais de dez minutos da entrada no local.
No exato momento de nomear o e-mail, eis que entra um sujeito fardado e de voz grave com uma cara de poucos amigos exclamando alto: Polícia Federal, todo mundo parado onde está! Olhamos para os lados e "todo mundo" correspondia a mim, meus dois colegas e ao sócio do meu ex-colega dono do estabelecimento. Um dos meus colegas prontamente como que num último suspiro de vida uniu forças para teclar como nome do e-mail "Fudeu" e clicou rapidamente em "enviar".
Deu-se então início uma discussão entre o sócio do meu ex-colega dono do estabelecimento e os policiais. O Policial dizia: "você foi visto pelo circuito interno de câmeras roubando as placas dos computadores da Universidade e se mexeu com a Federal, mexeu com a gente". O "meliante" se defendia, mas o policial tirou sei lá de onde um papel que parecia uma daquelas cartas que os fãs mandavam para a Xuxa quando eu era criança e falou: "tua ficha criminal, furto disso, roubo daquilo, tráfico de drogas" e não parava mais de citar crimes...
Eu e meus dois colegas estávamos cada um mais assustado que o outro, o que somente se agravou depois que um dos policiais falou: "um de vocês, nos acompanhe"...nós os três nos olhamos e conversando entre si sem dizer uma palavra ficou decidido que eu teria que ir para o segundo andar do local para que... acontecesse algo comigo. Pau-de-arara, choques elétricos, chutes, cacetete na cabeça...eu sabia que alguma coisa estava para acontecer, mas o que seria?
Eu estava literalmente sem lenço nem documento e entendi então como deveriam se sentir os subversivos em tempos de AI 5.
Passados alguns minutos, desci, cabisbaixo e sem dizer nada. Então mais um de nós foi convidado a subir as escadas, o mais nervoso do trio, o qual enquanto subia com o andar lento de quem desfila no corredor da morte, olhava para trás lançando para os outros dois uma expressão de socorro...como que o último olhar de um condenado. Depois, foi a vez do terceiro, sério, abatido, a subir e descer. Lá em cima, nós assistimos à ação policial, o abrir e fechar de caixas na busca de provas que incriminassem o sujeito sócio do meu conhecido (porque a essas alturas do campeonato, amigo ou ex-colega já passou a ser próximo demais).
Conclusão da história, ficamos uma tarde inteira num estabelecimento onde deveríamos em condições normais ter passado quinze minutos.
Mas o curioso disso tudo é que não sei definir como azar ou sorte minha essas dificuldades para vivenciar o que é comumente simples para os demais, considerando que nesses momentos, acabo por ter ao invés de quinze minutos de vida que passariam despercebidos para qualquer um, uma boa história para contar (e para sempre) lembrar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Desejos em Vermelho

"No livro da vida, as respostas não estão na parte de trás" (Charlie Brown)



Cedo a gente aprende que não pode ter tudo o que se deseja. A realidade cruelmente como se fora um semáforo acende uma luz vermelha e nos pede que paremos e passemos a sonhar com o possível quando tudo o que queremos é brincar com o impossível.
Quando eu era um gurizote queria tartarugas ninjas de natal (réplicas dos personagens do desenho), as quais nunca ganhei...acabei sendo presenteado com um carrinho e uma metralhadora com som de arma de verdade. Apesar de não estar nos meus planos, a arma de brinquedo "Matraca" fez a minha festa!
Eu me sentia um poderoso soldado mirando para tudo o que via pela frente e apertando o gatilho com os meus dedos pequenos...meus pais acabaram assim atirando no que viram e acertando no que não viram: nunca esquecerei aquele fim de ano e acredito hoje que ganhei o melhor presente que eu podia ter ganhado.
Já as tartarugas ninjas foram o presente que outro menino, um vizinho amigo meu, ganhou de natal após a mãe dele, antes de eu receber os meus presentes, me perguntar o que eu queria de natal.
Conforme os anos passam a gente continua tendo os nossos desejos (cada vez mais adultos) e se deparando com as limitações a nós impostas quando queremos o que não depende unicamente da nossa pessoa. Foi assim quando eu quis ter para mim uma garota ruiva que conheci durante a Faculdade; ela era (e é!) simpática, tinha a pele branquinha, um sorriso encantador, jogava vôlei como uma profissional, dizia que adorava conversar comigo...e não queria ter nada comigo além de amizade.
Preferiu sabe-se lá por que ficar com outro fulano aparentemente sem graça...mas o amor tem razões que a própria razão desconhece e com a "garotinha ruiva" não poderia ser diferente. Constatado esse fato, cheguei a pensar que na esfera sentimental da minha vida tudo havia dado errado, quando na verdade apenas esse pensamento não estava certo.
Me diverti muito mais com as "Matracas" que surgiram na minha vida depois...e hoje, na espreita, sob o meu olhar atento de atirador estão outros desejos, os quais revelando-se tartaruga ou metralhadora, me possibilitarão reafirmar que embora nem tudo o que desejemos possamos ter, o que conquistamos por força da sorte e da nossa busca pode muito bem superar a melhor das coisas que neste momento imaginamos poder desejar.